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sábado, 17 de agosto de 2013

Paradoxos da Qualidade Brasil



Paradoxos da qualidade Brasil

O Brasil melhora em quantidade e tropeça em qualidade. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano) de 5.565 municípios brasileiros, divulgado pelo IPEA a 29 de julho, subiu 47,5% nos últimos 20 anos.
Em 1991, o índice de municípios com IDH “muito baixo” era de 85,8%. Hoje, apenas 0,6%. Naquele ano, nenhum município mereceu a classificação de “muito alto”. Em 2000, apenas São Caetano do Sul, no ABC paulista. Agora, 44 municípios brasileiros têm IDH “muito alto”, entre os quais Belo Horizonte, que ocupa a 20ª posição.
Nosso país melhorou na longevidade, no crescimento da renda da população e na educação. Em 20 anos, a vida média do brasileiro passou de 64,7 anos para 73,9. A renda cresceu 14,2%. Um ganho de R$ 346,31.
Mas é bom não esquecer que, se há dez galinhas e dez pessoas, não significa que há uma galinha para cada pessoa. Uma delas pode ser dona de 9. Nossa distribuição de renda ainda é das piores do mundo. Basta lembrar que o Brasil é a quarta maior fortuna em paraísos fiscais!
Bilionários brasileiros vivem se queixando dos impostos. Da boca para fora. Pesquisa aponta o Brasil como a quarta fortuna mundial em paraísos fiscais: US$ 520 bilhões (mais de R$ 1 trilhão ou quase 1/3 do PIB brasileiro, que foi de R$ 3,6 trilhões em 2010). Tudo dinheiro sonegado.
Nem tudo são rosas também em nosso IDH. Quase 30% das cidades brasileiras têm IDH “muito baixo” no quesito educação. E apenas 5 cidades merecem o índice “muito alto”.
A educação é o grande entrave da qualidade Brasil. Menos da metade de nossos jovens de 18 a 20 anos termina o ensino médio: 41% dos alunos. Há 20 anos, apenas 13% dos alunos não se diplomavam no ensino médio. Nisso o Brasil anda a passo de caranguejo, para trás. Se 59% dos jovens não possuem ensino médio completo, fica difícil para o nosso país suprir seu atual déficit de profissionais qualificados, como médicos e engenheiros.
“O Brasil avançou na universalização do acesso à educação. Agora é preciso universalizar a aprendizagem”, afirma Priscila Cruz, do Todos pela Educação. E resgatar a qualidade de nossas escolas públicas, hoje sucateadas.
O Distrito Federal possui o melhor IDH entre as unidades de nossa federação. Minas ocupa o 9º lugar. Entre as capitais, Belo Horizonte fica em 5º lugar, atrás de Florianópolis, Vitória, Brasília e Curitiba. Alagoas e sua capital, Maceió, amargam o mais baixo IDH brasileiro.
Convém salientar que 99% dos municípios com IDH em educação “alto” ou “muito alto” ficaram abaixo das notas consideradas satisfatórias, em Língua Portuguesa e Matemática, na Prova Brasil de 2011.
Os problemas de nosso ensino médio são a falta de qualidade (sem tempo integral, informática, laboratórios, e com professores mal remunerados e sem formação contínua) e o abismo entre o que se ensina e a realidade em que vivem os nossos jovens (falta de pedagogia e adequação às novas tecnologias).
Em 2009, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) classificou o Brasil na 53ª posição entre 65 países, atrás do México, Uruguai e Chile. Raros os alunos de nossas universidades que conseguem escrever uma simples carta sem graves erros de concordância. Falta à maioria o hábito de frequentar a boa literatura.
É preciso ouvir a voz das ruas. De nossos jovens, 85,2% consideram a educação prioridade. O governo federal não pode continuar, em matéria de educação, em passos de escola de dança, um para frente e dois para trás, como no caso dos cursos de medicina. É urgente a aplicação de ao menos 10% do PIB na educação, o incremento do ensino profissionalizante e o resgate da escola pública gratuita, em tempo integral e de qualidade.
Em conferência para mais de 5 mil profissionais do ensino, em Brasília, pedi que levantassem as mãos quem era professor. Quase todos o fizeram. Em seguida, pedi que fizessem o mesmo gesto quem sonha em ter o filho ou a filha no magistério. Pouquíssimas mãos se ergueram. Triste o país que não se orgulha de seus professores, concedendo-lhes condições dignas e qualificadas de trabalho.

Frei Betto

Abdicar de pensar



Abdicar de pensar

Está em cartaz, em alguns cinemas do Brasil, o filme “Hannah Arendt”, direção de Margarethe Von Trotta. Por ser uma obra de arte que faz pensar, não atrai muitos espectadores. A maioria prefere os enlatados de entretenimento que entopem a programação televisiva. 
Hannah Arendt (1906-1975) era uma filósofa alemã, judia, aluna e amante de Heidegger, um dos mais importantes filósofos do século XX, que cometeu o grave deslize de filiar-se ao Partido Nazista e aceitar que Hitler o nomeasse reitor da Universidade de Freiburg. O que não tira o valor de sua obra, que exerceu grande influência sobre Sartre. Hannah Arendt refugiou-se do nazismo nos EUA.
O filme de Von Trotta retrata a filósofa no julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, enviada pela revista “The New Yorker”. Cenas reais do julgamento foram enxertadas no filme. 
De volta a Nova York, Hannah escreveu uma série de cinco ensaios, hoje reunidos no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999). Sua ótica sobre o réu nazista chocou muitos leitores, em especial da comunidade judaica.
Hannah escreveu que esperava encontrar um homem monstruoso, responsável por crimes monstruosos: o embarque de vítimas do nazismo em trens rumo à morte nos campos de concentração. No entanto, ela se deparou com um ser humano medíocre, mero burocrata da máquina genocida comandada por Hitler. A grande culpa de Eichmann, segundo ela, foi demitir-se do direito de pensar.
Hannah pôs o dedo na ferida. Muitos de nós julgamos que são pessoas sem coração, frias, incapazes de um gesto de generosidade os corruptos que embolsam recursos públicos, os carcereiros que torturam presos em delegacias e presídios, os policiais que primeiro espancam e depois perguntam, os médicos que deixam morrer um paciente sem dinheiro para custear o tratamento. É o que mostram os filmes cujos personagens são “do mal”.
Na realidade, o mal é também cometido por pessoas que não fariam feio se convidadas para jantar com a rainha Elizabeth II, como Raskólnikov, personagem de Dostoievski em “Crime e castigo”. Gente que, no exercício de suas funções, se demite do direito de pensar, como fez Eichmann.
Elas não vestem apenas a camisa do serviço público, da empresa, da corporação (Igreja, clube, associação etc.) no qual trabalham ou frequentam. Vestem também a pele. São incapazes de juízo crítico frente a seus superiores, de discernimento nas ordens que recebem, de dizer “não” a quem estão hierarquicamente submetidas.
Lembro de “Pudim”, um dos mais notórios torturadores do DEOPS de São Paulo, vinculado ao Esquadrão da Morte chefiado pelo delegado Fleury. Ele foi incumbido de transportar o principal assessor de Dom Helder Câmara, monsenhor Marcelo Carvalheira (que mais tarde viria a ser arcebispo de João Pessoa), do cárcere de São Paulo ao DOPS de Porto Alegre, onde seria solto. 
Antes de pegar a estrada, a viatura parou à porta de uma casa de classe média baixa, em um bairro da capital paulista. Marcelo temeu por sua vida, julgou funcionar ali um centro clandestino de tortura e extermínio. Surpreendeu-se ao se deparar com uma cena bizarra: a mulher e os filhos pequenos de “Pudim” em torno da mesa preparada para o lanche. O preso ficou estarrecido ao ver o torturador como afetuoso pai e esposo... 
Uma das áreas em que as pessoas mais se demitem do direito de pensar é a política. Em nome da ambição de galgar os degraus do poder, de manter uma função pública, de usufruir da amizade de poderosos, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem a seco abusos de seus superiores, fazem vista grossa à corrupção, se abrem em sorrisos para quem, no íntimo, desprezam.
Essa a banalidade do mal. Muitas vezes ele resulta da omissão, não da transgressão. Quem cala consente. Ou do rigoroso cumprimento de ordens que, em última instância, violam a ética e os direitos humanos.
Assim, o mal viceja graças ao caráter invertebrado de subalternos que, como Eichmann, julgam que não podem ser punidos pelo genocídio de 6 milhões de pessoas, pois apenas cuidavam de embarcá-las nos trens, sem que elas tivessem noção de que seriam levadas como gado ao matadouro das câmaras de gás.
Dois exemplos da grandiosidade do bem temos, hoje, em Edward Snowden, o jovem estadunidense de 29 anos que ousou denunciar a assombrosa máquina de espionagem do governo dos EUA, capaz de violar a privacidade de qualquer usuário da internet, e no soldado Bradley Manning, de 25, que divulgou para o WikiLeaks 700 mil documentos sigilosos sobre a atuação criminosa da Casa Branca nas guerras do Iraque e do Afeganistão. 
Frei Betto