Powered By Blogger

terça-feira, 23 de novembro de 2010

De onde vem o Mal?

Se, no princípio, era o bem, donde vem o mal?

Na herança religiosa do judaísmo, a fé cristã professa que a origem de tudo que é, o universo e todas as suas criaturas, advém de um só e mesmo criador, o único Deus. Fora dele, não há nenhum outro deus. Absolutamente, tudo provém de sua inescrutável criatividade e infinita bondade. Está inscrito, para sempre, no livro das orações, comum a ambas as comunidades de fé, o judaísmo e o cristianismo: Senhor, meu Deus, vós sois imensamente grande. De majestade e esplendor vos revestis... Quão variadas, Senhor, são as vossas obras. Todas, com sabedoria e bondade, as fizestes. Cheio está o universo das vossas riquezas (Sl 104). Mais ainda: Judaísmo e Cristianismo crêem e professam que tudo quanto Deus fez é bom (Gen 2), porque querido e originado de sua bondade.
Mas não é possível negar a vigência do mal. Historicamente, todos o experimentamos. Ora como suas vítimas, ora como seus feitores, ora em claros contornos e figurações, ora difusa e incognitamente. Às vezes, ele vem de fora, contra nós, envolvendo-nos em sua teia, ferindo-nos com sua malícia. Outras vezes, ele vem de dentro, do obscuro de nós mesmos, espalhando ao nosso redor seu veneno e sua maldade. Ás vezes o fazemos propositadamente. Outras vezes, involuntariamente, contra nossas próprias intenções (Rom 7,19-20).
O que é isto, perguntamos, então, às vezes entristecidos, às vezes perplexos, às vezes feridos, às vezes decepcionados conosco ou com aquele que nos fez o mal... o que é isto, afinal, que, contra nosso próprio desejo, contra nossa sensibilidade, contra o senso de humanidade, nos atrai para dentro de uma verdadeira ciranda de frieza, malevolência, agressões, violência e inumanidades?
As Escrituras Sagradas Judaicas e Cristãs não têm dúvida: O mal não tem origem em Deus. Nem tampouco nalgum outro princípio correlativo a Deus, sempiterno como ele, ou num princípio do mal, um concorrente do bem e da bondade. Originário é o bem e ele apenas.
Mas se, no princípio, era o bem, donde vem o mal? As mesmas Escrituras Sagradas insinuam uma resposta, já nas suas primeiras páginas (Gen 3). É a própria criatura (serpente / homem) que, ciente de sua pequenez e finitude (terra / rastejar), quer ser mais do que é, sim, quer ser como Deus (sereis como Deus). Um desejo aparentemente bom e virtuoso (fruto agradável aos olhos e ao paladar), mas a origem de todos os desacertos e males, pois sempre que o homem quer ser deus (senhor / onipotente / onisciente / princípio / a perfeição), ele transforma a sua própria vida, a vida de todos e do mundo num inferno.
Sob a aparência do bem, eis como entra no mundo e nos homens o mal. Uma insídia ardilosa que forja o bem e o promete, sem, porém, jamais cumprir sua promessa. Na verdade, uma grande e enganosa farsa, assim é o mal. E assim são os homens possuídos por ele: não demônios, mas enganados por sua própria natureza. Homens que, querendo ser grandes, estão dispostos às mais odiosas baixezas. Que, querendo ser perfeitos, são capazes das mais abomináveis mentiras. Que, querendo o mundo, perdem-se a si próprios. Que, por um punhado de moedas, prestam-se a trair não apenas a outros, mas a si próprios. Que, querendo tudo possuir, vendem-se a si mesmos abaixo de sua humanidade. Que, querendo valer mais do que já valem (bom), perdem até o que já são. Que querendo ser deuses, se transformam em pobres diabos, ou em caricaturas humanas, infelizes e perdidos do caminho.

(Frei Prudente Nery, grande teólogo brasileiro, faleceu em junho de 2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário